09/09/2011
Pedro Guimarães Pimentel
Formando em História – UERJ
Este é um momento único. De mudança de status social. Muitos daqui passarão de estudantes a desempregados. Outros já eram trabalhadores, aliaram-se aos estudos e nunca mais o abandonarão, mesmo que numa nova profissão. Somos formados educadores, mas poucos realmente seremos. Seja porque desistiremos no meio do caminho, seja porque não há emprego para todo mundo; ou ainda porque escolheram a História como caminho para um concurso público. Não há demérito nenhum nisso tudo. Mas e aí? E tudo que aprendemos? Será útil, aplicado? Será mesmo que aprendemos algo que seja útil, que possa ser aplicado? Esta reflexão que ora proponho para todos nós, vocês aí sentados na platéia, meus colegas formandos, professores da casa - recém-classificados como nossos colegas de profissão - deveria ter sido feita ao longo de toda a faculdade, ao longo de todo processo de escolarização.
Garanto, não foi feita a contento. Não, de maneira nenhuma. Por mais sobre-humano e meteórico que tenha sido o esforço de cada mestre que ao nosso lado senta e aqueles que não vieram. A culpa não foi de vocês (pelo menos não de todos!). Se tivesse sido feita, não estaríamos aqui nesta noite, nesses trajes. Não estaríamos recebendo nosso anel de doutor, vestindo beca, tirando fotos no Theatro Municipal, fotos sentadas em tronos de madeira nobre, enfileirados com sorriso preso, e outros tantos descompassos. Demorei, mas descobri o nome: jabour. Este babador que está em nossos peitos serve ao máximo para aparar nossas caras de tacho boquiabertas com o mundo lá fora, porque com o daqui de dentro já nem mais nos assustamos.
Nossa formação enquanto historiadores é tão ruim, mas tão ruim, que não demos conta nem de historicizar a prática social que é a nossa própria formatura. E aqui a reproduzimos, exatamente como se fôssemos bacharéis de anel de ouro. Cada pai e cada mãe sentados aí meu ouvindo criaram expectativas e acreditaram que seus filhos e filhas seriam alguém depois de formados. E aí, o que seremos? Fiquem tranquilos que não irei falar da História da Educação Brasileira, em especial de nossas Universidades, mas irei perguntar para cada um que está sentado: “E aí, o que você vai ensinar para o teu aluno?” E não me refiro somente aos conteúdos de História, mas aos da estrutura da nossa sociedade. O que vamos dizer? O que vamos compartilhar com o sem número de crianças, jovens, adultos e mesmo idosos com quem nos depararemos ao longo de nossa carreira (se não desistirmos antes, ficarmos malucos ou depressivos)? Vamos ajudá-los a construir um pensamento crítico e questionador de nossa sociedade, ou apenas encaminhá-los para que se adaptem a ela?
Os dias de hoje, mais exageradamente do que os de ontem, são mestres e doutores em produzir sonhos. E com a mesma força e destreza os desmancham, igualando com cores fúnebres expectativa e decepção. A Universidade, tal como a temos e a reproduzimos, produz, em nível superior, todas as esperanças depositadas na formação profissional e logo em seguida, para uma porcentagem elevada de seus egressos, devolve a dureza do dia-a-dia. O gênio brasileiro Darcy Ribeiro ao referir-se sobre os estudantes universitários, dizia: "eles bem sabem que, quando diplomados, também serão aquietados pelo poder disciplinador do trabalho e da fadiga; dissuadidos de seus próprios ideais pelas responsabilidades de família e pelos deveres de compostura profissional; e degradados pela ferocidade da competição econômica em que terão de mergulhar e pela qual serão, afinal, convertidos em tranquilos guardiães da ordem."
Também não é possível que, ao final de nosso curso, tenhamos a convicção de que por sermos professores transformaremos o mundo. Não é a profissão que nos torna veículo da mudança social. O piano que querem colocar nas nossas costas jamais o suportaremos; não temos forças para carregá-lo sozinho... Na verdade, muito do que responsabiliza o professor pelo futuro do Brasil é intencionalmente divulgado para que fiquemos loucos com o nosso fracasso, envelheçamos cedo, ou nos tornemos conservadores na primeira possibilidade de dizer: "não vai dar em nada mesmo!"
Esquecem-se de nos contar (e ao resto da sociedade) que o professor e o aluno são a ponta do iceberg de um sistema autofágico e que nossa posição contra-hegemônica (quando houver uma) se advém, antes de mais nada, pela manutenção do "direito de sonhar", como diria Galeano.
Seria bonito né?! se eu estivesse aqui rememorando cada aula, dando aquele incentivo para as nossas profissões ou agradecendo aos céus pela oportunidade de ter cursado a Universidade. Nada disso, nada disso.
Cada um de vocês, companheiros de História, sabem como vieram parar aqui, as dificuldades que tiveram de enfrentar para chegar até o fim, bem como tem a certeza do que farão depois de hoje. A glorificação da vitória individual, do talento, do esforço ou do mérito, em nossa sociedade, só serve para ratificar que a maioria esmagadora (e esmagada) ficou de fora dessas paredes (e de fora de muitas outras paredes imprescindíveis para a própria sobrevivência). Se isto fosse um réquiem, dedicaria um minuto de silêncio, mas como é um desabafo - em tom panfletário - sugiro uma vida inteira de luta. Contextualizando Florestan Fernandes: "Ou os professores (e historiadores) se identificam com o destino do seu povo, com ele sofrendo a mesma luta, ou se dissociam do seu povo, e nesse caso, serão aliados daqueles que exploram o povo".
2 comentários:
Somente hoje li este belíssimo texto. Há 20 anos atrás, me emocionava ao constatar a realidade descrita por Darcy Ribeiro. Não vi motivo para o texto ser censurado, mas sim, para ser disseminado, na certeza de que podemos seguir através de um novo caminho, se não nos contentarmos em sermos passivos diante daquilo que nos assusta.
Célia Kalil Mangabeira (Prof.ª do Curso de Medicina da Uesc/BA e Coordenadora do Programa de Educação Continuada Aprendendo Down - UESC/BA)
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