André Luan Nunes Macedo
Nenhuma política pública pensa somente no agora. A formulação normativo-estatal busca dar respostas aos futuros problemas, expandidos num horizonte de expectativa conjuntural. O “amanhã” do Estado tem uma duração longa, maior do que simples problemas pontuais. Uma universidade, nesse sentido, quando passa por esse processo de normatização, como a consolidação de um projeto como o Consórcio das sete Universidades do sul/sudeste de Minas pensa em, no mínimo, dez anos de desenvolvimento institucional sob a aplicação de determinado projeto .
O discurso daqueles dispostos a aprovarem o Consórcio caminha, curiosamente, num sentido contrário ao que se sabe sobre a normatização do Estado. A imagem que se passa é de uma fluidez quanto a consolidação desta norma, incondizente com a formulação de um projeto que possui suas raízes de pensamento no Ministério da Educação. Assim tem sido a caminhada para a aprovação desta possível “parceria”. Dizem que se trata apenas de uma “interação” entre as instituições; que a “autonomia universitária” está garantida, pois nossa instituição pode entrar e sair a qualquer momento do Consórcio; chegou-se ao ponto de analisar positivamente o Consórcio com um olhar estritamente tecnocrático da universidade pública, pois poderíamos com ele realizar uma “compra mais eficiente de papéis” se todas as sete universidades atuassem em conjunto.
Para estabelecer uma crítica à possível parceria que será construída, nosso prisma metodológico precisa se esquivar do pontualismo e da visão restrita. É necessário entender sua inserção na sociedade, para precisar sua função perante o estado de Minas Gerais e a nação.
Diante dos conflitos gerados em torno desta “parceria” existe uma necessidade enorme nos documentos em autorreferenciar a “autonomia universitária”, sem sequer explicar o seu significado na visão dos sete reitores. “ ‘Parceria’ é o termo utilizado para que nós da comunidade acadêmica não confundamos tal projeto com a idéia de ‘fusão’”, dizem os idealizadores do projeto. No entanto, a essência positiva deste Consórcio está em unir sete Universidades, visando a busca de captação mais competitiva dos recursos públicos, além de uni-las para trabalhar em conjunto na consolidação de projetos de pesquisa, de unificação dos processos seletivos e de proteção de patentes tecnológicas futuramente conquistadas a partir desta união.
Ou seja, há uma contradição entre uma suposta interação e o que realmente pretende o Consórcio – uma reprodução unificada de ações destas sete universidades por meio de uma superestrutura composta por sete reitores e membros de suas respectivas equipes de trabalhos (pró-reitorias). Até que ponto a criação de uma superestrutura destes reitores não interfere nas discussões dos conselhos superiores? Qual é o objetivo do MEC quando consente um projeto que tem essa estrutura? Do ponto de vista da “pedagogia política” assumida na relação entre as universidades, a representação que tomaria determinadas decisões não atrofiaria ainda mais os Conselhos Superiores? Quão facilitador seria dialogar diretamente com os reitores para o Ministério, sem que os debates tivessem que chegar primeiramente aos Conselhos Superiores e, posteriormente, à comunidade acadêmica?
Como já havíamos colocado em outros trabalhos , a universidade precisa passar por um processo de intensa reforma política - necessária para garantir sua autonomia intelectual e consolidar-se em sua plenitude - respeitando seus órgãos deliberativos - como uma comunidade acadêmica. Para ela sair do seu status de fomentadora do subdesenvolvimento e de colonizadora intelectual da nação, é necessário dar a ela sua extrema potencialidade e liberdade de formulação do conhecimento. Com o atual Consórcio, essa reforma em nossa instituição, especificamente, fica cada dia mais longe. A reprodução de ações individualizadas, sem um pretexto de discussões inseridas na comunidade acadêmica, ainda dão aos reitores instrumentos, conforme sua vontade, para fomentar os espaços de discussão pública destas instituições. Ou seja, democracia torna-se apenas uma “boa vontade” daqueles que foram “eleitos” nas universidades...
Os problemas da visão colonizada da representação repercutem também no que se entende academicamente como Universidade. Uma das principais propostas do Plano de Desenvolvimento Institucional está ligada ao fortalecimento das sete instituições com relação ao patenteamento de pesquisas e de sua tecnologia. Para aqueles que compreendem o conhecimento na sua dimensão real da sociedade, como um processo epistemológico, que em sua essência se baseia no acúmulo de idéias e na coletividade, vê o patenteamento como uma lógica perversa, fomentado pelos obscuros e repugnantes interesses privados individualizantes da Ciência, tratando-a como troca de valor para o grande capital regional privado de Minas Gerais e de outros lugares do país.
Por que desejaríamos criar uma patente mercadológica com pesquisas que necessitam da sua imediata dispersão na sociedade, ao invés de se submeter aos interesses do “empreendedorismo” das corporações que contribuem para o entreguismo dos recursos naturais de nossa região (como o minério, por exemplo) e que estão nas mãos do capital estrangeiro? Qual é o preço que pagamos por “fortalecer o desenvolvimento econômico e social” do Brasil, partindo como pressuposto de que o “que está dado” pelas políticas públicas e o atual governo é a única via para a construção do progresso nacional? Será por meio de “patentes” que conseguiremos sair das barreiras do subdesenvolvimento e do neocolonialismo?
O fortalecimento do “desenvolvimento econômico” na acepção filosófica do Consórcio não é um exemplo que busca fazer da universidade um instrumento de rompimento com as estruturas desiguais existentes em nossa pátria. O modelo de desenvolvimento econômico precisa ser intensamente questionado pelas universidades, sendo ela o aparato intelectual do Estado capaz de produzir intelectuais dispostos a pensarem o Brasil e o mundo sem imposições burocráticas da politicagem vivida no atual cenário, no qual nossas instituições são confundidas com currais eleitorais e trampolins políticos. Basta ver o que nosso reitor tem feito na UFSJ e tudo que acabamos de acusar se confirma, como o já famoso “caso São Dimas”, por exemplo.
O Consórcio é mais uma fachada para que trabalhemos num sentido contrário a autonomia universitária, com sua ilusória proposta de mobilidade acadêmica. Com o ReUni, as universidades federais da região passaram por um estrondoso processo de expansão. A UFSJ, salvo engano, trabalha com o maior projeto de expansão do país, além de ter que dirigir outros três campi avançados, referentes ao projeto Expandir. Nossa instituição, apesar da expansão e dos impressionantes números, talvez seja, entre as sete universidades, aquela que menos tem estrutura para que nós estudantes permaneçamos na instituição. Contaremos com um Restaurante Universitário e um alojamento que terá somente 200 vagas. Diante desse lamentável quadro, é prioridade para a universidade que recursos públicos sejam gastos com estudantes que virão de outras instituições com uma “bolsa mobilidade”, sem terem as menores condições de permanência, haja visto o “boom”no preço dos aluguéis e a falta de restaurantes mais baratos? Por que quer o MEC aprovar um projeto deste porte, ao invés de investir no que já existe, como o programa de mobilidade estudantil da ANDIFES e auxiliar na consolidação da Reforma Universitária?
Dentro do contexto de mobilidade estudantil, o Consórcio prevê uma uniformização curricular dos cursos, para que os créditos dos estudantes das sete universidades possam ter validade em qualquer instituição. A grande pergunta é: quem irá se dispor a abrir mão dos debates acadêmicos existentes em cada ramo científico para criar uma isonomia de uma parceria imposta? E as atuais parcerias que muitos professores já conseguem fazer sem imposição alguma, tanto com as instituições que fazem parte do Consórcio, quanto outras IFES espalhadas por todo o país? Qual é a demanda real dessa interação? Com essas propostas “pontuais”, “simples” e “interacionistas” que coincidentemente (ou não) foi aprovado em 1999 na Europa o Plano Bolonha – projeto de fusão entre as universidades da União Européia e que nos renderia outro texto para falar somente deste ponto. Fica no ar a indagação...
Quanto vale tanto ferimento à autonomia universitária? Até quando continuaremos aceitando a imposição de burocratas na consolidação do fazer-se acadêmico em nossa instituição? Quanto tempo agüentaremos tantas verticalizações e autoritarismos? Disso não sabemos, só o tempo poderá nos dizer...
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